Tuesday, August 30, 2011

Velomobile II

Não o disse no post anterior, digo-o neste, quero ter um velomobile. Também posso dizer que não tenho os 5000€ que uma coisinha daquelas custa (mínimo). Mas creio que posso tentar construir um por uma fracção desse valor, não contando com o tempo dispendido. E, já que vou ser eu a fazê-lo, posso bem começar pelo "caderno de encargos", com uns quantos requisitos aparentemente incompatíveis entre si:


a) Tem que ter mais tracção do que a normal num tadpole - quero continuar a ir para os estradões de terra batida sem andar a escorregar;
b) Tem que levar duas pessoas em configuração de "tandem" (nota: vou acabar por desistir deste ponto por razões de ordem prática, mas para já fica, dado o interesse que tem em termos analíticos);
c) Tem que ser um pouco mais alto do que a altura normal de um velomobile, para ser "visível" - não me venham com a história da bandeira, vê-se primeiro o veículo do que a bandeira, só é bom para carrinhos se supermercado;
d) Tem que ser tão estreito quanto possível.
(Como seria de esperar deverá ser tão leve quanto possível, tão robusto quanto possível, tão barato quanto possível, tão rápido quanto possível e tão funcional quanto possível. Tudo quanto possível de modo a que depois de somadas as concessões, ainda assim valha a pena construir a máquina com a certeza de que será utilizada eficazmente para o que foi concebida).


A primeira solução que me ocorreu foi efectivamente a utilização de uma plataforma com quatro rodas - o cumprimento do ponto a) exige-me duas atrás para tracção e o do ponto b) exige-me duas à frente para a travagem. Mas mesmo com a imposição dos dois lugares, pareceu-me excessivo acrescentar mais uma roda, dada a complexidade e o peso acrescidos, até porque o objectivo não é ter dois lugares lado a lado, mas em tandem - um à frente do outro, para não penalizar a eficiencia aerodinâmica. Com a agravante de que ou acabava com um veículo demasiado baixo ou tinha que ter uma largura no mínimo idêntica à que conseguiria com uma configuração em delta ou em tadpole. E se por um lado a plataforma delta me parece (numa apreciação inicial) pouco prática, a tadpole também não dá resposta nem ao ponto a) se não levar as duas pessoas - nem ao c). Com efeito - e creio que se percebe nas imagens - o condutor vai sentado práticamente sobre o eixo dianteiro, o que deixa muito pouca tracção à roda traseira se ele for o único passageiro; por outro lado, numa plataforma destas não se pode subir a altura dos ocupantes (e do centro de massa) sem aumentar a largura total do veículo. Ora, o objectivo não é construir uma alfaia agrícola que faça parar o trânsito por onde passa... Relativamente ao formato delta, o problema da tracção mantém-se (para o cenário em que só tem um condutor sem passageiro) e agrava-se claramente a distribuição de massa em curva.



Imagens retiradas do site http://www.atomiczombie.com/ (Viking Tandem Trike) - uma excelente fonte de informação para quem pretende construir algo - bicicletas, trikes, quads...

No site http://jetrike.com poderão encontrar muita informação respeitante à construcção de trikes, principalmente no que concerne à análise técnica. Foi de lá que retirei as imagens seguintes (http://jetrike.com/tadpole-or-delta.html) que são bem demonstrativas dos problemas com que me deparei nesta análise inicial:

Na figura de cima temos esquematizada uma delta (duas rodas atrás, o sentido do movimento é da esquerda para a direita e a curva no sentido da seta). O ponto azul indica o centro de massa ideal, que deverá estar sempre atrás da intersecção das bissectrizes do triângulo formado pelos centros das rodas. Ora, se considerarmos um veículo apenas para um ocupante, é relativamente fácil dimensionar a estrutura para corresponder de perto a esta imposição; para aquilo que pretendo tenho sempre forçosamente o condutor sentado à frente deste ponto, o que do ponto de vista do centro de massa coloca toda a estrutura na situação mais desfavorável possível quando só tem este ocupante - este factor, aliado à menor capacidade de travagem (comparativa) levam-me a ter sérias reservas quanto à utilização desta plataforma. Neste cenário, o comportamento em curva será sempre bastante mau, para não dizer deplorável.

Na figura de cima temos esquematizada uma tadpole (duas rodas dianteiras, o sentido do movimento é da esquerda para a direita e a curva no sentido da seta). O ponto azul indica o centro de massa ideal, que deverá estar sempre à frente da intersecção das bissectrizes do triângulo formado pelos centros das rodas. Nesta estrutura temos dois problemas, talvez menos críticos do que os que se colocam com a plataforma anterior. Para manter o centro de massa sempre na "zona de conforto" será necessário deslocar o condutor bastante para a frente, o que implica uma séria perda de tracção quando não levar o segundo ocupante. Por outro lado, a presença deste fará deslocar forçosamente o centro de massa para trás, o que acarreta uma menor velocidade máxima admissível em curva.

Não encontrei nenhum esquema similar para um veículo com quatro rodas, mas terá seguramente o centro de massa coincidente com o centro do paralelogramo formado pelos centros das quatro rodas, com uma variante interessante: o centro de massa de cada um dos ocupantes deverá estar tão próximo quanto possível do eixo correspondente, para optimizar o comportamento em curva - o que remete para um comportamento bastante idêntico ao de uma tadpole para o cenário de um só ocupante, e com a agravante do acréscimo do peso e da complexidade mecânica. No caso de um quad (tal como numa delta) a tracção deverá ser às duas rodas traseiras; a direcção às duas dianteiras (tal como numa tadpole), e terá forçosamente que ter um qualquer tipo de suspensão às quatro rodas - o que apesar de ser recomendável, não é condição sine qua non para as outras plataformas (um quad deverá ter sempre as quatro rodas apoiadas no chão, o que só se garante recorrendo a um qualquer tipo de suspensão).  

Uma solução interessante que poderia eventualmente resolver alguns dos problemas que encontrei passaria por ter um sistema de tracção dianteira e direcção à roda traseira (numa configuração tadpole). Podem encontrar aqui (entre muitas outras fontes disponíveis) alguma informação sobre tentativas diversas feitas ao longo do tempo no sentido de implementar sistemas de direcção traseira. Apesar da muita investigação feita acerca deste tema, ainda não se encontraram soluções cabais para alguns dos problemas que esta solução levanta, e que a tornam impraticável na grande maioria das situações. Um veículo com direcção traseira não se desvia de um obstáculo próximo; a realimentação é positiva, i.e., depois de iniciada a tendência é no sentido de acentuar a curva e não no sentido de a corrigir para um movimento em linha recta. O resultado acaba por ser um comportamento bastante instável em curva, principalmente em velocidades mais elevadas.


Outra solução possível passa por uma abordagem mais radical, que ainda assim tem um ónus não dispiciendo ao nível da complexidade mecânica: uma leaning trike (ou tilting trike, dependendo da fonte), que consiste grosso modo numa plataforma que, tendo três rodas, se comporta em curva de modo similar a uma bicicleta. Nota: O link que já indiquei anteriormente (http://jetrike.com) tem muita informação (e muito completa) acerca de algumas das principais variações a este tema, e há um grupo no Yahoo Groups (creio que se chama mesmo Tilting Trikes) que constituirá eventualmente o maior repositório de informação disponível online acerca do assunto.
Dados os objectivos definidos anteriormente, esta solução poderá ser a mais viável, ainda assim dependente do acréscimo de peso e da complexidade que implicar. Tendo apenas como contras o aumento de peso e da complexidade, resolve contudo a grande maioria dos problemas que se colocam a qualquer uma das soluções anteriormente analisadas - a localização do centro de massa é menos crítica e poderá ser ajustada em função das necessidades de tracção, a distância entre vias não fica tão dependente da altura do centro de massa ao chão e o comportamento global deverá ser idêntico ao de um veículo de duas rodas com duas vantagens comparativas: uma menor sensibilidade aos ventos laterais e uma maior capacidade de travagem, ambas resultado da existência de uma terceira roda. A questão é, é possível? E em que moldes? Parece-me que sim, é possível, com uma limitação severa relativamente às definições iniciais: um veículo com um só passageiro. Seja qual for a abordagem, um veículo de propulsão humana deverá ter tendencialmente uma característica  de base: ser (bastante) menos pesado do que o menor numero de passageiros possível - típicamente um. Creio que não consigo um peso aceitável de ser puxado por uma só pessoa num veículo preparado para duas pessoas, e não me parece que consiga solucionar o problema da distribuição de massa em função da tracção e/ou da travagem.

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