Saturday, November 17, 2012

O assento

A característica mais distintiva de uma reclinada é, tal como o nome indica, o facto de irmos reclinados. Verdadeiramente sentados. Deixamos de "montar" a bicicleta, deixa de ser igual a um cavalo, uma mota ou uma bicicleta "normal"; passamos a conduzir ou a pilotar. Algo assim. E uma característica distintiva tão vincada tem sempre que ter uma materialização, que no caso das reclinadas é o assento. O assento é o corpo e a alma de uma reclinada, é onde nasce a idéia da reclinada, é onde nasce o conceito e o projecto. E uma reclinada pode (por vezes tem que) fazer concessões a diferentes níveis, mas nunca no assento. O assento é o elemento que permite as duas principais vantagens das reclinadas: o conforto e a menor resistência aerodinâmica. É também um dos elementos que suporta mais esforços mecânicos, pelas razões óbvias. Convém que seja leve, mas ainda assim será sempre mais pesado do que a grande maioria dos selins; tem que ser muito robusto, e estar apoiado em pelo menos dois pontos diferentes, devido à carga que suporta. Além disso, almofadado ou não, rígido ou em tela (como as cadeiras dobráveis de campismo) terá forçosamente que ser confortável.

Relativamente ao conforto, e assumindo frontalmente que sou faccioso, depois de experimentarmos uma reclinada, os standards mudam. Já não consigo associar a palavra "conforto" nem aos inúmeros selins nem aos quinhentos mil tipos de capas de gel disponíveis no mercado. O paradoxo é simples: não podemos falar de conforto relativamente às nossas bicicletas quando somos obrigados a usar calções almofadados para suportar o óbvio desconforto. E isto não é nada contra as BTTs: sempre que vou à descoberta, levo a minha.

Voltando aos assentos e às reclinadas: numa reclinada o assento tem que suportar o peso todo do corpo. Quanto mais deitada for, melhor é a distribuição do peso mas mais difícil o equilíbrio, pelo que se torna indispensável encontrar uma solução de compromisso que variará de pessoa para pessoa - para mim este ponto situa-se entre os 40 e os 45º com a horizontal. Com base neste ângulo fiz o seguinte "molde":



Este molde permite-me fazer apenas uma curva, mas é o suficiente; a parte superior, que molda a curvatura da parte superior das costas pode ser feita facilmente recorrendo a "enchimento" (normalmente reforço as perpendiculares de madeira para dar a curvatura que quero, é a maneira mais simples e funcional de o fazer). O primeiro assento que fiz era um verdadeiro compósito: duas placas de contraplacado de 5mm com uma camada de fibra de vidro e resina epóxy no meio; além disso forrei ambas as faces com duas camadas de fibra de vidro e fibra de carbono. Se por um lado "aguenta tudo", acabou por ser mais pesado do que na realidade seria necessário. Por essa mesma razão decidi desta vez usar três camadas de contrapladado de 3mm coladas entre si com cola de madeira (para a superfície de colagem é mais do que suficiente e muito mais barata do que a resina). Uma vantagem adicional de utilizar placas mais finas é que não necessitei de fazer cortes no contraplacado para conseguir dobrar a curva em 40º - o contraplacado de 5mm exige cortes, o que implica que a colagem das placas entre si terá forçosamente que ser feita com resina, dado que a cola branca não faz  "enchimento". O resultado final acabou assim (não consegui tirar fotos da moldagem):




Esta última foto dá uma idéia de como ficou a versão "em bruto". Usando o outro assento como molde, marquei a forma e fiz os cortes da madeira em excesso. De seguida, usando o perfil do assento, cortei três peças a partir de uma placa de contraplacado de 12mm:




Prendi as três peças com dois parafusos de 8mm e lixei-as para ficarem exactamente iguais e o mais próximas possível do contorno do assento. De seguida colei-as entre si com araldite, e usando igualmente araldite, colei e aparafusei esta peça ao assento. O resultado final está ainda com este aspecto:



A razão pela qual usei araldite (que é na realidade uma resina epóxy) para além da óbvia necessidade de resistência e rigidez em anbas estas ligações, a necessidade de preencher fissuras (estou a fazer colagem de peças na perpendicular do fio da madeira).
O próximo passo será adicionar uma camada de fibra a cada um dos lados do assento e um ou dois reforços adicionais na zona da "quilha", fazer a furação e os apois para fixação na bicicleta.

Wednesday, November 14, 2012

De volta à construção

Já tenho o molde de volta, e um segundo assento na calha. Com três camadas de contraplacado de 3mm em vez das duas de 5mm que utilizei no actual e reforço traseiro em duas placas de contraplacado de 12mm (o actual não tem). Já já já deixo aqui algumas fotos do progresso da coisa...

Sunday, November 04, 2012

Bachetta Clone, dia 1

Até hoje tinham sido apenas umas voltinhas pela vizinhança, para ver como era, hoje é que teve o baptismo. Umas voltinhas de aquecimento, subi até ao castelo e segui em direcção ao Espichel. Nada por aí além, portanto. Tenho a musculatura das pernas a queixar-se um pouco mais do que seria o costume, o que é perfeitamente natural. Ainda não tenho os músculos certos a responder como deviam (nem os outros)...
Começando pelo mais fácil: a descer é fantástica. Em terreno plano é fantástica. Com mau piso, como qualquer reclinada, torna-se algo trepidante - não há a possibilidade de levantar o rabo do selim... Ainda assim vou trocar aquele pneu traseiro por um mais maneirinho, apesar de o Michelin ser fabuloso na absorção das irregularidades - em boa verdade, aquele pneu é "A" suspensão traseira. O amortecedor dianteiro, pese embora a falta de pedigree, cumpre com distinção nestas situações. Mas voltando o capítulo da performance, confirmei as minhas suspeitas: é muito previsível e equilibrada. Bom balanço, boa distribuição de peso f/t, resposta "nervosa" em baixas velocidades, bom equilíbrio. Enfrenta as subidas com razoável à-vontade, o limite é mesmo a capacidade do motor - esta foi uma sensação quase constante, irei sempre atingir o meu limite antes de chegar ao limite da bicicleta, pelo menos nos tempos mais próximos. A escolha da pedaleira foi a correcta: não sei se um prato de 24 dentes seria muito útil neste conjunto, mas os 53 do prato grande fazem um trabalho absolutamente fantástico. Em terreno plano ajudam a manter uma cadência razoável para uma velocidade um pouco mais elevada (não tenho termo de comparação para além do "parece-me que", mas na realidade tive a sensação de que conseguia ir  perceptivelmente mais depressa do que na minha btt na grande maioria do percurso, seguramente que sim em todas as descidas, por suaves que fossem, quase de certeza que sim em terreno plano.
Depois de ter apertado o travão traseiro ao limite do aceitável, acabou por ficar a funcionar bastante melhor, e sinceramente, não senti para já a necessidade de mais poder de travagem do que o que tenho - em combinado com o travão dianteiro são em princípio suficientemente potentes para uma travagem mais enérgica.
No global, parece-me ser de longe a melhor reclinada que já construí. Simples, bastante "limpa" de formas, comparativamente mais leve do que as restantes (consegue mesmo ser mais leve do que a última que tinha construído, de tracção dianteira) - o suficiente para conseguir um desempenho honesto em subida, muito equilibrada, fácil de "pilotar" e bastante agradável. 
As reacções vão desde a incredulidade até ao comentário bem disposto, na realidade ninguém fica indiferente a esta bicicleta "esquisita". Pode ser que pegue a moda.

Thursday, November 01, 2012

Bachetta clone

Desde há uns anos que me tenho dedicado à construção de modelos experimentais de veículos de propulsão humana, de algum modo em busca de um paradigma que seja a um tempo prático, funcional e com um grau de performance aceitável.  No que concerne aos veículos terrestres, por uma ou outra razão, a maioria dos protótipos falharam num ou noutro ponto - alguns em toda a linha - razão pela qual tenho voltado sempre à carga. Em alguns casos por falhas de conceptuais, noutros por inadequação do projecto à matéria-prima disponível. Ao contrário do que possa parecer, a concepção de um veículo de propulsão humana é muito complicada, e se no caso de um barco temos a vantagem de podermos de alguma forma distribuir a carga mais ou menos equitativamente por toda a estrutura, no caso de uma bicicleta ou de um triciclo isso já não acontece. Há pontos que são forçosamente sujeitos a mais esforços, e a tentativa de distribuição de carga esbarra frequentemente com detalhes não negligenciáveis como o conforto ou a manobrabilidade.
Uma das constatações do óbvio que assimilei ao longo deste tempo é que, no que concerne a propulsão humana, o principal factor a ter em conta é a eficiência. O "motor" humano é muito fraco, logo um dos objectivos deverá passar por ter um sistema com o mínimo possível de perdas, sejam estas de que ordem forem. Um outro factor que contribui decisivamente para a eficiência do conjunto é o conforto, ou melhor, o desconforto: quanto mais desconfortável a utilização de uma ferramenta, menor o tempo que se demora a atingir um estado de fadiga ou de dor insuportáveis.
Resumindo uma longa história: a posição reclinada favorece a eficiência aerodinâmica do conjunto; o percurso quase linear da corrente (no sentido do esforço) contribui para a eficiência mecânica, tal como a rigidez do quadro. A simplicidade da forma contribui para um peso final (relativamente) reduzido, a utilização de um assento amplo proporciona uma boa distribuição do peso e a inclinação confortável quer relativamente à pedaleira quer em termos absolutos contribuem positivamente no respectivo capítulo, bem assim como a utilização de um garfo com suspensão. Uma nota relativamente à altura da pedaleira: não é tão esquisito como parece à primeira. É, na realidade, bastante confortável.
Seguem as fotos (quase tudo é canibalizado/reutilizado, a começar pelo assento, a seu tempo terei que rever estes items):

O aspecto global da bixinha. O a distância entre eixos é pouco superior à da minha BTT, idem para o comprimento total, o assento está aproximadamente à altura da roda (mais ou menos como nesta outra) e o eixo da pedaleira um pouco acima (mais tarde deixarei as medidas relevantes). A distribuição do peso é bastante equilibrada, e a geometria do conjunto deverá permitir travagens "a fundo" sem qualquer problema;

Um detalhe da corrente: no sentido do esforço, o direccionamento com roletes; no sentido contrário, a utilização do tubo de mangueira. Nesta foto é visível a utilização de um garfo rígido em substituição do tradicional triângulo traseiro (garfo canibalizado à minha primeira BTT). Apesar do comportamento muito positivo, creio que ainda terei que fazer um reforço nesta zona, just in case (triangulação);

(Uma das) pedaleiras do costume: 30/43/53. Pareceu-me mais indicada do que uma 24/33/43, apesar de esta bicicleta se ter revelado muito manobrável e fácil de equilibrar em baixas velocidades, não creio que consiga ir ao ponto de justificar a utilização de uma pedaleira com uma relação tão baixa;

Um detalhe adicional de qualidade: o travão traseiro acabou por ser nesta fase um travão de BMX (abranda mal, mas não trava); a razão para isto é simples, ao ter que modificar o garfo para aceitar um eixo de 13,5 cms (as rodas dianteiras têm 10 cms) os suportes dos V-brake acabaram por ficar tão afastados entre si que se tornam inúteis. Vou ter que engendrar algo (bastante) melhor, mas para já, em testes, terá que servir.

Nestas coisas não há como dar os créditos a quem os tem: mais uma vez o design não é meu - andei durante algum tempo a estudar a Bachetta Strada, que acaba por ser a seu modo a principal fonte de inspiração para esta bicicleta. Utilizei pela primeira vez um sistema que permite variar a distância da pedaleira ao assento em grande parte porque queria testar diferentes inclinações do assento, o que acabou por não ser necessário (pelo menos para já).

Conclusões: com meia-dúzia de voltas pela vizinhança é um pouco cedo para algo mais definitivo do que apenas algumas impressões. É globalmente muito confortável, muito manobrável - eu diria que é mesmo um nada "nervosa", muito rígida, transmite uma sensação de resposta muito rápida e dá a sensação de conseguir (querer?) andar bastante depressa. É previsível e transmite uma sensação global de segurança.

Uma nota final: em tempos já tinha "derretido" uma bicicleta de hipermercado, com a qual fiz algo semelhante, com a excepção do essencial: pesava como uma bigorna, a geometria da direcção estava toda errada, o caminho da corrente era paralelo ao da suspensão traseira (sofria de perdas mecânicas absurdas), etc etc etc. Ainda assim, de todas as bicicletas que construí, foi a mais fácil, uma das mais confortáveis e paradoxalmente, uma das que melhor "trepava".

Uma outra nota relativamente à última bicicleta que construí (antes desta): Trata-se comprovadamente de um design bastante eficiente do ponto de vista mecânico, muito devido ao facto de conseguir utilizar uma corrente curta (e segundo os experts por conseguir mimetizar a utilização dos grupos musculares do tronco contra o guiador, tal como acontece nas bicicletas ditas "normais"), mas tem alguns pequenos contras um nada limitativos: a curva de aprendizagem dificílima (continuo a dizer, foi a única bicicleta com que fui ao tapete nos últimos anos) e a coordenação entre a pedaleira e a direcção, bem, ainda não domino a coisa, e por último, o facto de ser muito baixa, pese embora a enorme vantagem aerodinâmica, deixa sempre uma ligeira sensação de desconforto perante outros veículos (automóveis, nomeadamente). Mecânicamente tem um defeito apenas: o desviador da corrente naquela roda 20" fica demasiado próximo do solo para o meu gosto. Foram acima de tudo estas as razões que me levaram a tentar esta abordagem.