Tuesday, August 30, 2011

Velomobile I

Construir um velomobile é fazer concessões. Qualquer que seja a abordagem, é necessário fazer concessões. E depois de tomada a decisão, resta saber no que fazer as concessões.
Ou seja, e antes de mais, para quê um velomobile? Ou antes, a pergunta que se impõe é, o que é afinal um velomobile? De acordo com a wikipedia, é um veículo de propulsão humana fechado, para protecção contra colisões e contra o mau tempo e para optimização aerodinâmica. Na realidade esta definição aparentemente simples encerra uma miríade de variantes possíveis (e já existentes): desde as "streamliners" com apenas duas rodas, passando pela plataforma que comumente designamos por velomobiles com três rodas até aos modelos com quatro rodas, (quase) tudo é possível. As streamliners detêm uma parte significativa dos actuais recordes de velocidade da IHPVA nomeadamente a Varna Tempest, com o recorde dos 200 mts "flying start" (133,28 Kmts/h, 5,402 s) e a Eiviestretto com o record da hora, com 91,556 Kmts percorridos. Estes valores superam de longe os recordes reconhecidos pela UCI, respectivamente 9,572 S e 49,700 Kmts - voltarei a este tema mais tarde. 
As streamliners têm uma grande vantagem comparativa que é o facto de terem apenas duas rodas, que simplifica ao máximo toda a componente mecânica. São contudo muito vulneráveis a ventos laterais, o que penaliza bastante esta plataforma e tem condicionado de algum modo a sua evolução, que está neste momento muito focada em protótipos de competição - não só, mas digamos que tão maioritáriamente que "streamliner" é quase sinónimo de máquina de velocidade pura (para o que aqui interessa). 




Três streamliners. 

Avançando para a plataforma menos comum, com quatro rodas, digamos que em termos práticos é práticamente inexistente. Em termos de concepção, é a pior solução a vários níveis: de concessão em concessão até ao desastre final, dado que as utilização de uma plataforma de quatro rodas apenas se justifica em circunstâncias muito particulares, como a das fotos que se seguem. É uma solução complexa do ponto de vista mecânico, (muito) pesada em termos estruturais e a que tem o pior desempenho aerodinâmico.


Um velomobile com quatro rodas. A tracção é dianteira e a direcção efectua-se às rodas traseiras.

Um Duo Quest, quatro rodas, tracção traseira, direcção dianteira.




 E, finalmente, para as três rodas, a configuração mais comum destes veículos. Com as duas variantes possíveis, delta (duas rodas traseiras) ou tadpole (duas rodas dianteiras), esta última é a mais utilizada: a transmissão é bastante mais simples e práticamente idêntica à de uma bicicleta, as duas rodas dianteiras permitem uma travagem muito eficiente e controlada e um comportamento superior em curva. Além disso permite a utilização de uma "carapaça" em forma de lágrima, que é o formato mais eficiente em termos aerodinâmicos. Tem contras: a mecânica da direcção é mais complicada, o que torna esta plataforma mais "sensível" à interferencia da cadência da pedalada em velocidades mais elevadas, e uma questão que poucas vezes vejo referida mas que senti "na pele" de todas as vezes que andei com a minha trike: a distribuição de peso, que é sempre muito penalizadora da tracção (a roda traseira suportará sempre menos de 40% do peso total do veículo, típicamente na ordem dos 30% em em alguns casos extremos menos de 25%. Fora de estrada torna-se muito complicado - leia-se "fora do asfalto", caso em que a falta de tracção pode impossibilitar alguns percursos com subidas mais íngremes.


Um velomobile "aberto" sobre um chassis delta.

Um velomobile "tadpole" (um WAW, neste caso) ao lado de um Porsche. Mais fotos do WAW ao lado de diferentes carros aqui.

De um modo superficial e sem entrar em detalhes maçadores, esta foi a introdução possível ao mundo dos velomobiles. Recomendo vivamente a todos os que estejam interessados que pesquisem na net: há muita informação disponível, alguma dela errónea acima de tudo por bondade e desconhecimento de quem a publica. Repararão seguramente que a plataforma de facto da maioria dos velomobiles existentes e comercializados assenta nas seguintes características:


a) construcção monocoque - não para os protótipos "home made" nem para as adaptações de corpos de velomobiles a trikes já existentes, mas é verdade para a esmagadora maioria dos velomobiles produzidos "em série"; este tipo de construção permite manter o peso do veículo relativamente baixo (cerca de 30 Kg);
b) plataforma tadpole (duas rodas à frente e uma atrás): esta configuração permite um melhor comportamento nas duas situações mais críticas com que um velomobile se depara no mundo real: curvas e a travagem; esta plataforma, com uma distância entre eixos curta consegue um comportamento quase óptimo em curva - dado que a roda de fora está na melhor localização em função do centro de massa - e em travagem, onde as duas rodas dianteiras permitem aguentar travagens extremamente violentas;
c) corpo em formato de lágrima (visto de cima): segue quase o formato da plataforma tadpole e tem um comportamento aerodinâmico excelente.


Seja qual for a plataforma, o numero de rodas e o material utilizado, um velomobile será sempre bastante mais pesado do que uma bicicleta. A UCI determina como peso mínimo 6,8 Kg como requisito para obter a homologação; o peso médio de um velomobile anda na casa dos 30Kg, o que dá um factor de multiplicação de 4. Ainda assim e graças ao formato aerodinâmico, os velomobiles não só permitem velocidades de ponta superiores, como também as velocidades médias alcançadas tendem a ser bastante mais elevadas do que o que é possível numa bicicleta de estrada. O que prova que o peso do veículo não é o factor mais penalizador na utilização da propulsão humana, mas sim a resistência aerodinâmica. Esta é de facto a razão que nos amarra ás baixas velocidades. Por essa razão é que as streamliners vêm à cabeça dos veículos mais rápidos movidos a pedal, porque têm uma eficiência aerodinâmica fantástica, e por essa mesma razão é que os quads ficam na cauda, porque têm uma estrutura já de si demasiado pesada à qual somam a desvantagem de terem áreas frontais demasiado grandes para conseguirem um bom desempenho aerodinâmico (em função do motor, claro está). Um velomobile standard fica algures no meio termo e consegue facilmente velocidades na ordem dos quarentas e muitos quilómetros em terrenos planos, e há relatos documentados de velocidades de 70's, 80's e bastante mais (sendo o "bastante mais" já em descidas, claro). O que não deixa de ser impressionante - e estas velocidades mais do que justificam a evolução no sentido da maior potencia de travagem.


A razão pela qual os velomobiles têm tendencialmente três rodas... Já vi inúmeras discussões acerca do assunto, das vantagens das três rodas sobre as quatro rodas, com motor ou a pedal, e sinceramente creio que há uma explicação razoável para o assunto: simplicidade. Ou se complica na direcção (tadpole) ou se complica na transmissão (delta). Nas duas não, senão complica-se tudo e sem grandes ganhos evidentes - acabamos com um quad. Quando disse que o peso não é o factor mais penalizador no desempenho de um veículo de propulsão humana assumi que não se sairia dos limites do razoável. Qualquer ganho que se consiga de peso é um ganho na eficiência, e se se ajudar a não complicar... Temos portanto como resultado prático a utilização preferencial e esmagadora das plataformas de três rodas "no mundo real", no que aos velomobiles concerne.


Bem, e agora respondendo à pergunta: para quê um velomobile? Para andar mais depressa, ou para andar mais com o mesmo "desgaste", ou para andar à chuva ou ao frio - quem já andou de bicicleta em dias mesmo frios sabe do que estou a falar. Ou para ir mais longe. É para isso que serve um velomobile. Autonomia. Não é seguramente o veículo para quem não se importa de andar à intempérie ou não pretende andar mais depressa. E seguramente não o será igualmente para os "fanáticos" do peso. Quem selecciona componentes "à grama" não irá seguramente aceitar a idéia de arrastar 30 Kg de "peso morto" atrás.

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